Íntegra do discurso de posse como Presidente da AJUFER, eleito para o biênio 2016/2018

Prezados colegas juízes federais, associados da AJUFER e demais amigos aqui,

Hoje iniciamos um necessário trabalho de fortalecimento da magistratura federal da 1ª Região. O Brasil vive um momento delicado na sua trajetória política. Um noticiário repleto de operações policiais e prisões, frequentes denúncias de corrupção e muita suspeita sobre a classe política e empresarial formam o contexto de uma crise econômica preocupante. E um novo momento de maior rigor na aplicação da lei vem rompendo, com alguma dificuldade, a velha ordem dos favorecimentos que matizam a paisagem histórica das contratações públicas no país. Há muitos, ainda, a vociferar contra o trabalho dos juízes. Invocam uma prerrogativa de descumprimento da lei? Não vejo que o desrespeito à lei tenha formado jurisprudência em algum momento da nossa história. Carecia apenas de um maior rigor, que todos já imaginavam um dia chegaria o seu tempo. Há uma nova ordem nacional em transformação!

Também por isso é possível perceber atualmente uma tensão existente na relação entre a magistratura e alguns agentes políticos, que, ocupando funções de relevância na vida da República, quando contrariados seus interesses pessoais ou de partido, e não tendo outros argumentos para afastar a correta aplicação da lei, tentam diminuir a autoridade de decisões judiciais atacando os magistrados e as prerrogativas da magistratura, esquecendo-se de que as prerrogativas da magistratura existem em benefício da sociedade, e não no interesse pessoal do magistrado. Tenho um exemplo pessoal de situações deste tipo, quando certa feita, num Estado da 1ª Região em que trabalhava, fui procurado por um enviado do Governador para pedir a soltura de um criminoso chefe de uma organização criminosa.  Foi-me dito que o Governador estava fazendo um pedido “pessoal”. Pude ter a tranquilidade de não atender àquela absurda investida, sem medo de represálias, graças à existência das garantias da magistratura.

O trabalho associativo, neste ponto, é uma luta, principalmente de defesa. Existem pessoas procurando atacar magistrados, e precisamos nos unir para nos defender. E nesta luta, nos ombreamos com a AJUFE, e aqui está o Presidente Roberto Veloso, e também o seu ex-Presidente, Antonio Cesar Bochenek, que nos apoiaram nesta eleição e que sabem podem contar com a AJUFER para este trabalho em sintonia, que fortalece a magistratura brasileira.

Mas críticas injustas não nos isentam da nossa responsabilidade, e do dever que temos de arrumar a nossa casa. Não podemos deixar de reconhecer a existência de problemas sérios dentro do Poder Judiciário. Os juízes federais sempre respeitaram o teto constitucional. Estou no Poder Judiciário há mais de 18 anos. Como magistrado, há mais de 10. E jamais recebi remuneração acima do teto constitucional. Ver a notícia de que um magistrado recebeu mais de 100 mil reais num mês soa, para nós, incompreensível. Nunca tivemos e não queremos ter este privilégio, que rasga a Constituição, ofende a sociedade brasileira, nela incluídos os juízes federais, e enfraquece o bom crédito de todos os juízes perante a sociedade brasileira. Quando a população ouve uma notícia dessas, não tem como dizer quais as categorias de juízes estão descumprindo ou cumprindo a Constituição. A imprensa, de uma maneira geral, não conhece esta informação ou não faz questão de esclarecer.

Penso, assim, que os juízes precisam merecer o respeito da população, e para isso precisam fazer por onde para serem respeitados. Neste ponto, precisamos fazer um estudo detalhado do sistema remuneratório dos agentes públicos no Brasil. Buscar informações verdadeiras sobre vantagens e verbas pagas, o que antecipo vem esclarecer quem são os agentes que estão respeitando a lei. Nós, juízes federais, temos total interesse em conhecer esta realidade, e mostrar para a população brasileira a nossa realidade remuneratória.

Quero propor duas prioridades na gestão que agora inicio. A primeira delas é o resgate e fortalecimento da boa imagem que os juízes federais sempre tiveram na sociedade brasileira, fruto do valoroso trabalho prestado ao longo de décadas a uma sociedade sofrida e carente de quase tudo.

Historicamente, os juízes brasileiros sempre foram valorizados e respeitados. Mas no movimento de mudança do regime de informação provocado pelo advento da internet e a criação de fóruns e mídias sociais, a comunicação tornou-se mais rápida e, em alguns casos, menos responsável. E o Poder Judiciário, que sempre manteve um hábito de silêncio diante de provocações e acusações vazias, de repente vê-se obrigado a dialogar em rápida velocidade com uma sociedade desejosa de esclarecimentos apressados e muitas das vezes rasos, muito reativa a fatos fantasiosos. Hoje, pelo Facebook, por exemplo, um juiz é acusado pela manhã em São Luiz, Estado do Maranhão, tem alegações deduzidas contra si em outros 20 Estados, e antes de dormir já foi a julgamento coletivo em todo o país com votos impetuosos referendados por centenas de likes.

Mas o que fazer diante deste fenômeno? Como buscar o fortalecimento da imagem dos juízes federais? Como resgatar o respeito da população brasileira?

Penso, primeiramente, que precisamos mostrar o nosso trabalho. As pessoas precisam poder enxergar a contribuição que os juízes federais vêm dando ao desenvolvimento do Brasil em muitos aspectos. E isso precisa ser feito através de uma linguagem familiar e próxima, que as pessoas mais simples possam também entender o que estamos falando e fazendo. O rebuscamento de linguagem e de hábitos não consegue atender ao desejo das pessoas de proximidade com os juízes. Precisamos ter mais simplicidade.

Casos de Santo Amaro. Tenho um exemplo pessoal neste assunto. Há alguns anos, num mutirão de audiências realizado na cidade de Santo Amaro da Purificação, Estado da Bahia, presidi a audiência de instrução e julgamento do caso de uma senhora, uma moça de pouco mais de 30 anos de idade. Ela tinha uma deficiência no braço direito, não tinha os ossos do braço, que apresentava uma atrofia. Tinha apenas músculos, pele, era um braço pequeno. Também tinha uma deficiência cognitiva, associada a uma doença mental. Era, em resumo, uma pessoa frágil e carente. Pedia um benefício assistencial do deficiente e perguntei a ela onde e com quem morava. Respondeu que morava sozinha num barraquinho de taipa a uns 200 metros da casa dos seus pais. Questionei a razão de ela não morar com os pais. Ela, com sinceridade, me respondeu que era porque o INSS havia recusado a concessão do benefício pelo motivo de ela… morar na casa dos pais. Eles já eram aposentados e a renda familiar estaria acima do teto legal. Me impressionei com aquele caso, porque percebi que a lei, naquela situação, teve o efeito de romper o convívio familiar daquelas pessoas. E a lei jamais deve servir para desunir uma família, notadamente quando se trata de uma pessoa com dificuldade na sua condição de vida e que necessita do cuidado dos seus familiares. Julguei o processo favorável àquela senhora na mesma hora. Mais do que isso: julguei o processo favorável àquela família. E disse-lhe: “Senhora, volte pra casa dos seus pais. Pode voltar hoje mesmo. Se tiver algum problema, a senhora volta aqui e fala com a gente”. Até hoje fico lembrando daquela família, e fico imaginando os efeitos positivos daquela decisão judicial. Imagino a alegria daquela família a partir daquele mesmo dia, em que encontraram novamente a justiça em suas vidas.

O exemplo é meu, pessoal. Mas sabemos que muitos são os exemplos de decisões de juízes federais que têm garantido a preservação de valores elevados na sociedade brasileira. Decisões de juízes federais que têm corrigido situações de corrupção e infração à lei, que têm sido decisivas na preservação do patrimônio ambiental do país. Decisões que têm garantido o exercício de direitos e cobrado a responsabilidade das pessoas diante da lei. Isso é transformador da realidade, e as pessoas no Brasil precisam conhecer este trabalho. Sem promoções pessoais, sem exaltação. Mas para saber que os juízes federais estão fazendo o seu trabalho e que estão prontos para servir ao país.

Além disso, penso que precisamos ir mais longe, e nos envolvermos mais nos temas estratégicos do país.

O Brasil testemunha diariamente crimes ambientais gravíssimos. Por dia, são desmatados cerca de 1.275 hectares de florestas. São 45 hectares de desmatamento por hora. São 230 milhões de árvores derrubadas por ano. E o que a Justiça Federal da 1ª Região tem a ver com isso? O que nós, Juízes Federais ligados a esta Corte Regional sediada em Brasília, temos com isso?

A 1ª Região da Justiça Federal compreende 14 Estados brasileiros, e é a maior região da Justiça Federal do país. Abrange cerca de 77,5% do território nacional, e tem jurisdição sobre grande parte do patrimônio ambiental, cultural e histórico do Brasil. Nós, os juízes federais da 1ª Região, somos os zeladores da Amazônia brasileira.

E os senhores sabem o tamanho da nossa responsabilidade? Os Estados com problemas mais graves de desmatamento no Brasil são o Mato Grosso, Rondônia e Pará. A que região da Justiça Federal pertencem? À primeira. No Brasil, um dos maiores problemas ambientais ocorre numa região chamada de “Arco do Desflorestamento”. É uma grande faixa, hoje ainda crescente, infelizmente, em forma de arco, em que os interesses econômicos exagerados e a irresponsabilidade têm predominado. O arco estende-se do Estado do Acre, cruza o Estado de Rondônia, norte do Mato Grosso, sul do Amazonas, norte de Goiás, Tocantins, Pará, até o Estado do Maranhão. Todos são Estados pertencentes à Primeira Região da Justiça Federal. Nos 14 Estados da 1ª Região, exercemos jurisdição sobre 561 Unidades de Conservação Federais, que abrigam espécies raras e únicas da fauna e da flora em todo o planeta. Dados revelam que a maioria dessas Unidades de Conservação Federal estão correndo sérios riscos de destruição. Muitas sequer foram desapropriadas regularmente, e também sofrem com o desmatamento. A Amazônia, por sua vez, é abrigo de 438 mil espécies de plantas, com muitas mais ainda a serem descobertas ou catalogadas. O Estado do Pará, um dos campeões do desmatamento, abriga 10% das espécies de aves de todo o mundo.

E o que estamos esperando para nos envolvermos pra valer num trabalho de conservação e reflorestamento destes verdadeiros tesouros da humanidade colocados por Deus aqui, no nosso ambiente de trabalho? E qual a responsabilidade social e o compromisso que os juízes federais estão tendo com este problema? Qual a contribuição que estamos dando para a conservação das nossas florestas?

Se formos nos ater ao exercício da função jurisdicional: dispomos de informações suficientes para o julgamento das demandas ambientais? Sabemos quais são as demandas mais estratégicas da preservação? Temos acesso aos estudos mais atualizados sobre estes temas? Qual o nosso nível de acesso às melhores fontes para a compreensão destes temas? Já possuímos as habilidades e competências necessárias para a boa compreensão das questões que nos são trazidas diariamente?

Precisamos mais do que nunca assumir esta responsabilidade, nos capacitarmos cada vez mais e assim exercermos o nosso importante papel numa condução ativa do processo de conservação e reflorestamento principalmente da nossa região amazônica. Como já falei, somos os zeladores da Amazônia brasileira. Este pode ser o nosso mais importante compromisso social e humanitário.

Neste ponto, quero reconhecer todo o trabalho até aqui desenvolvido pela nossa AJUFER nas gestões anteriores. Temos aqui a presença aqui de alguns ex-Presidentes e Diretores da entidade, que deram a sua contribuição valorosa à causa da defesa da magistratura. Construíram com o seu trabalho as bases sólidas que hoje a AJUFER possui como associação de classe consolidada. Representamos hoje quase 300 Juízes Federais. Chegaremos em breve ao número de 400 associados.

Penso, então, que é hora de aceitarmos um novo desafio, e quero contar com o apoio da nova Diretoria empossada nesta missão. Porque a sociedade brasileira também possui novas demandas, e tem esta expectativa em relação a nós juízes. A sociedade espera de nós uma contribuição mais ativa e mais decisiva para os destinos da nação. E nós juízes federais da 1ª Região podemos fazer mais pelo país. E por estas razões quero propor uma nova etapa da nossa trajetória.

Com o pensamento de atender a este novo momento da AJUFER, nada mais justo do que contar com autoridades no assunto. Já estamos buscando parcerias com universidades, institutos de pesquisa com trabalho e experiência reconhecidos, e também entidades da sociedade civil que atuam na preservação do meio ambiente. Vamos formar parcerias que possam trazer o conhecimento para, unidos, criarmos os instrumentos para este trabalho. Existem pesquisas sérias, desenvolvidas com muita responsabilidade, e pessoas trabalhando ativamente na busca e no desenvolvimento de soluções para a conservação das nossas florestas. Esta é a razão de estar aqui, neste dia de hoje, o Professor Doutor Carlos Teodoro Irigaray, que é Procurador do Estado do MT, Professor Associado da UFMT, onde coordena o Programa de Doutorado em Direitos Humanos e Meio Ambiente que integra a UFPA, a UFMT e a UNEMAT. O Doutor Teodoro tem larga experiência acadêmica e social nas questões amazônicas, presidiu o conhecido Instituto O Direito por um Planeta Verde, e preside atualmente a Associação Novo Encanto de Desenvolvimento Ecológico, que tem um dos trabalhos mais bonitos e sérios na conservação da Amazônia. É uma honra para nós termos o senhor como nosso parceiro neste trabalho, e quero poder contar com a sua experiência e a expertise da Associação Novo Encanto neste nosso esforço.

Já começamos a conversar e a trabalhar para a construção de um Curso de Direito Ambiental aplicado à Conservação da Amazônia, que vem ser oferecido aos juízes federais. O curso utilizará uma moderna plataforma de ensino à distância, para que os juízes federais lotados nas localidades mais distantes, aquelas lá do interior dos Estados do Norte do Brasil, também possam estar ligados a esta rede de ensino, de comunicação positiva, de compartilhamento de experiências e informações de interesse para o melhor desempenho de suas funções. Queremos, nós juízes federais da Primeira Região da Justiça Federal, nós os zeladores da Amazônia brasileira e de também metade do Pantanal Matogrossense, nós que exercemos jurisdição sobre centenas de Unidades de Conservação Federal, conforme já dito, queremos estar capacitados à altura da nossa responsabilidade. Penso que é o que a sociedade brasileira espera de seus agentes públicos: compromisso e responsabilidade.

E pensamos também em expandir esta iniciativa no futuro para um curso de Mestrado em Direito da Amazônia, que possa contemplar não apenas as demandas ambientais amazônicas, mas todas as questões relacionadas à vida e à aplicação da lei na região da floresta. E podemos mais. Podemos, com a legitimidade de quem tem o dever de zelar por este patrimônio, assumirmos a posição de referência sobre o Direito da Amazônia no Brasil e no mundo. Referência nacional e internacional, aumentando ainda mais o nosso compromisso e a nossa responsabilidade.

Este é um exemplo do que podemos fazer para nos aproximar da sociedade brasileira. Despertar nas pessoas o sentimento de que os juízes federais estão fazendo o seu trabalho pelo desenvolvimento do país. Despertar nas pessoas o sentimento de que os juízes federais estão comprometidos com as demandas mais importantes da sociedade.

E não se trata apenas de mostrar o trabalho que já estamos fazendo. Precisamos também renovar o nosso compromisso com a sociedade brasileira. Fazer mais pelo país. E vejo em projetos como este uma forma de nos desenvolvermos mais como magistrados, nos habilitarmos para atender a uma demanda das mais relevantes da atualidade, de renovarmos o nosso compromisso com a sociedade brasileira, e de assim sermos mais valorizados enquanto juízes federais cumpridores de sua missão.

Temos pessoas competentes na nossa carreira, que vêm acompanhando o desenvolvimento destes temas há algum tempo, e que tenho a alegria de ter como colegas de chapa. É bom tê-los junto neste trabalho. A Diretoria deste trabalho de Fortalecer a Magistratura também é composta por pessoas que estão tendo a sua primeira experiência no trabalho associativo. Sejam bem-vindos! Vamos aprender juntos os que precisamos para atender ao que precisamos.

Quero também renovar o convite a todos os juízes federais da 1ª Região que se associem, aos novos juízes que ainda estão em curso de formação aqui na nossa Escola da Magistratura. Os senhores são o futuro da nossa carreira, o futuro da Justiça Federal da 1ª Região, o futuro da nossa AJUFER, e o futuro do nosso país também. Cheguem junto de nós para também dar a contribuição de vocês neste trabalho. Os senhores são benvindos!

Não posso deixar de parabenizar e agradecer ao Dr. Newton Ramos Pereira Neto pelas realizações da sua gestão. O que foi feito até aqui é sempre o ponto de partida de um novo momento do trabalho. É bom tê-lo na equipe e espero que possamos sempre somar experiência e esforços pelo bem da nossa entidade.

Quero então aproveitar este primeiro dia de Lua Crescente, para pedir pela renovação do nosso ânimo e força para seguirmos firmes na nossa caminhada. E já nos aproximando do mês de Dezembro, tão significativo em nosso sentimento por ser o mês em que celebramos o nascimento do nosso Salvador, Jesus de Nazaré, que veio ao mundo num gesto de amor à humanidade, para nos ensinar o caminho da paz e da fraternidade entre os homens, a Ele me dirijo pedindo a sua benção. Peço ao Divino Mestre que abençoe este trabalho, dando-nos condição para seguirmos o caminho do bem, dando-nos sabedoria e prosperidade, permitindo que tenhamos bons frutos, e pedindo dias melhores na vida dos juízes federais brasileiros e suas famílias, e de todos nós.

Sou grato pela atenção de todos, Deus nos abençoe.

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